Teste: Porsche 911 Carrera S 2017

Faço aniversário em dezembro, bem próximo do Natal, e já vão mais de 30 anos ganhando um presente só para as duas datas. Fazer o quê? No último ano, foi diferente. O presente valeu por todos os anos anteriores. Horas depois de eu soprar as velinhas, um Porsche 911 Carrera S vermelho chegava à redação para ser avaliado. E, felizmente, a encarregada de desembrulhar este presente fui eu.

Eu nunca havia entendido direito o porquê da Porsche adotar a turboalimentação no Carrera, já que o 911 Turbo é “O” representante deste tipo de motorização dentro do line up do modelo (só no Brasil, a Porsche vende o 911 em 14 variações que vão de R$ 509.000 até R$ 1.277.000). E, mesmo a marca explicando que o motivo da troca foi o ganho de eficiência, muitos torceram o nariz. Afinal, mexer em mito é a certeza de comprar briga com puristas. Convenhamos que a Porsche é boa nisso.

Desmistificando a questão da nomenclatura, vale explicar que esta geração do 911 é designada pela Porsche como série 991. E com esse facelift, ele pode ser chamado de 991.2. Mas o que você precisa saber mesmo é que a Porsche substituiu o motor 3.8 aspirado por um novo motor seis cilindros boxer 3.0 biturbo, refrigerado a água, de 420 cv e 50,9 kgf.m entre 1.700 rpm e 5.000 rpm. Antes de iniciar, de fato, minha interação com o 911, é bom lembrar que ele custa R$ 651 mil, exatos R$ 142 mil a mais se o compararmos ao Carrera de entrada.

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Eu não via a hora de saber se a mudança fez bem ao cupê esportivo e se a letrinha "S" justifica essa diferença no preço, mas com muito esforço passei algum tempo admirando o esportivo ainda estacionado. Os faróis têm moldura em led, a grade traseira é longitudinal e não mais horizontal e a saída de escape é central. Um sutil facelift que manteve intacta a tradição de design do modelo mais icônico da Porsche. O principal destaque, entretanto, estaria escondido naquela traseira imponente. Escondido mesmo. Minha primeira – e única – frustração com o modelo foi não conseguir ver o motor, nem quando abri a grade traseira. Apenas as ventoinhas e os bocais dos fluidos estão à mostra, para ver o motor é necessário levantar o carro.

Dirigir um 911, porém, é uma aula sobre sentir. Até porque, o que a gente consegue ver ou tocar, é quase que irrelevante perto das sensações que ele desperta a quem ocupa a posição do motorista. O tempo todo estamos sendo estimulados, desde o primeiro contato. Não há uma chave de presença, é necessário girar a ignição do lado esquerdo – uma histórica tradição da marca alemã – e ser recebido com um “oi”, traduzido na subida de giro do motor, que estabiliza em 2.000 rotações. E não há lugar mais acolhedor para quem gosta de dirigir do que o cockpit de um Porsche. Mas primeiro vamos acelerar, depois descrevo a aula de ergonomia que a Porsche também sabe dar.

O Carrera S vendido no Brasil vem equipado com o pacote Sport Chrono, que adiciona maravilhas da eletrônica e engenharia ao esportivo. Uma delas é o seletor giratório de modos de condução (Nornal, Sport, Sport + e Individual) no volante, herdado do 918 Spyder. Sem tirar as mãos do volante podemos escolher se querermos ir rápido ou absurdamente rápido. As configurações permitem uma congruência entre chassi, motor e câmbio que catapultam o carro e te arrepiam a alma. O modo Sport Plus deixa o carro mais permissivo, neste modo podemos acionar o controle de largada, um aliado para que o Carrera S consiga atingir a marca de 3,9 segundos no 0 a 100 km/h, número divulgado pela Porsche.

Ainda neste modo, entram em ação o gerenciamento ativo da suspensão (PASM), o controle dinâmico de chassi (PDCC) - que em altas velocidades rebaixa o carro em um centímetro -, e o esterçamento das rodas traseiras, um opcional já conhecido no 911 Turbo e no GT3. É isso mesmo que você leu. Em baixas velocidades, as rodas do eixo traseiro giram em sentido oposto às rodas do eixo dianteiro, o que encurta o diâmetro de giro do carro em 0,5 m e nos ajuda em manobras, e, acima de 80 km/h, o sistema giras as quatro rodas na mesma direção com 1,5 grau de esterço para que o carro ganhe mais estabilidade e contorne curvas como se estivesse sobre trilhos. A precisão em curvas é um ponto alto do 911 Carrera S , além de tudo isso, quando o carro está configurado para o modo Sport +, as trocas de marcha ocorrem em tempos extremamente curtos, que parecem ser determinados por aqueles relógios ultra-precisos. Se você achar que faz melhor, pode assumir o comando das borboletas atrás do volante.

O câmbio, aliás, merece um capítulo à parte (e também uma aula de alemão, hehe). Com trocas indecentes, o PDK, ou se preferir “doppelkupplungsgetriebe” de dupla embreagem e sete velocidades escolhe o melhor momento para fazer reduções e, dependendo da sua empolgação, as trocas são sentidas nas suas costas, em cutucadas sem dó nem piedade. As arrancadas são igualmente obscenas. Aí eu penso: se o Carrera S é assim, o 911 GT3 RS deve ser coisa de outro mundo.

Com um tapete de asfalto na minha frente e o tanque cheio de gasolina de alta octanagem, estar no comando deste 911 te faz sentir-se obrigado a dizer sim a uma proposta indecente. O motor trabalha até os 7.500 giros, superando os limites de rotação dos motores turbo convencionais, e aí seu mundo para. Mas o que mais me intriga é o equilíbrio que a marca  conseguiu estabelecer em um veículo de 1.460 kg com a maior parte do peso concentrado no eixo traseiro. Convenhamos que o peso ajuda na capacidade da tração, que é traseira, o spoiler dá mais uma mão para colar o carro no chão, mas a engenharia da Porsche consegue contrariar a física com um belo trabalho de chassi, suspensão e eletrônica refinada.

Duvida? Experimente uma frenagem brusca a 120 km/h. Ele obedece ao seu comando e exalando autoconfiança senta no asfalto, sem sustos, sem derrapadas, sem alarde nem transferência de peso. É mesmo muito impressionante. Mérito também dos freios a disco ventilados de 350 mm na frente e 330 mm atrás e dos pneus Pirelli Pzero 245/35 R20 na dianteira e 305/30 na traseira, que mais parecem rolocompressores.

Tirá-lo da trajetória é missão quase impossível graças também ao sistema de vetorização de torque, que freia individualmente a roda interna nas curvas e repassa a força para a roda de externa. Se você gosta de sair de traseira e cantar pneu, saiba que isso não é com ele. A não ser que você desligue as babás eletrônicas e assuma os riscos caso não consiga domar a fera.

Quer tomar um fôlego? Ainda não é hora, pois quero te mostrar um botãozinho escondido no seletor giratório que sei que vai gostar. Ele se chama Sport Response, mas o batizei carinhosamente de “Ignorância mode on”. Quando você precisa de uma entrega de potência imediata, aperte o botão e pise fundo. Ele reduz de sétima para segunda marcha e motor e câmbio trabalham por 20 segundos para te entregar o máximo de resposta. Um temporizador gráfico no painel digital indica o tempo restante. A direção é eletromecânica e foi revista neste facelift, já que não agradou muito quem andou na versão anterior 991.1. Eu não tenho reclamações a fazer.

Na cidade

Dá dó colocar um 911 no asfalto péssimo de São Paulo. Que sofrimento! Mas acreditem, ele consegue se adaptar. Um sistema a ar nas torres da suspensão dianteira eleva o carro em 4 cm para que você consiga subir rampas de estacionamento e passar por algumas valetas. A função está disponível ao toque de um botão no console e é desativada quando você ultrapassa os 20 km/h. Não é só o brasileiro que tem que ter molejo pra viver nesse país, minha gente, os alemães também... Piadas a parte, graças a essa função, não deixei pedaços do para-choque para trás e devolvi o carro intacto.

Outro ponto favorável para o dia a dia é que o motor roda manso em modo normal e, com o start-stop acionado, ele bebe pouco. Segundo medições do Inmetro, o consumo é de 8,2 km/l na cidade e 10,8 km/l na estrada. Um número exemplar e que reforça a postura da Porsche quando ela diz que “a eficiência que conseguimos com este motor seria impossível conseguir em um aspirado convencional”.

Por dentro

Lembra daquela aula de ergonomia que eu disse que a Porsche sabe dar? Então, basta sentar no cockpit do 911 e aprender com eles. O banco revestido em couro tem ajustes manuais, assim como a coluna de direção. Poxa, mas um carro caro desses pede ajustes elétricos, não?  Nem sempre, caro leitor. Os ajustes elétricos adicionam mais peso ao carro e, neste caso, mais peso não é o que queremos. O painel tem cinco mostradores, um deles é digital e exibe dados do carro, mapa do GPS, do áudio e até a força G. O volante têm diâmetro e posicionamento perfeitos, é reto e tem ótima empunhadura. Entretanto, se você quiser comandos do rádio nele, esqueça. Este carro foi feito para quem gosta de dirigir e os botões que nos atraem estão no console: um deles gerencia a suspensão, o outro aciona o spoiler e há outro que faz o 911 berrar mais alto, em um tom rouco que reveza com assobios do turbo e te dá mais tesão que qualquer playlist do Spotify.

Pode ser um fardo, mas este cupê esportivo tem a capacidade de tornar todas as frescurites tecnológicas irrelevantes. Mesmo assim, ele traz sistema de som de altíssima qualidade da marca Bose e uma nova central multimídia de 7” multitouch, onde interagimos com ela como fazemos em nossos smartphones, repleta de funções, entre elas mapas do Google Earth e Street View. O curioso é que a integração com o Google para por aí, pois o sistema não tem espelhamento para telefones com sistema operacional Android (desenvolvido pelo Google), apenas para Apple Car Play.

Vai pegar estrada? Aprenda a levar pouca bagagem. O bagageiro frontal leva apenas 145 litros, mas é possível rebater os bancos traseiros e arrumar espaço para mais 260 litros. Ah, e escolha apenas um acompanhante, ok?

Ter um mito desses na sua garagem passa longe de ser uma escolha racional, mesmo com concorrentes ainda mais caros que ele no páreo, como o Jaguar F-Type 5.0 (R$ 752.684) e o AMG GT (R$ 780.900) no páreo.

Depois de alguns dias na companhia do Carrera S, posso afirmar que a turboalimentação fez bem ao esportivo. Mas, cuidado, o este 911 pode despertar em você sentimentos passionais e totalmente irracionais que você nem sabia que existiam. E é aí que quem tem R$ 651 mil na conta leva ele pra casa sem pestanejar. Agora eu entendo isso, só ainda não me conformei em ter que devolver “meu” presente de aniversário.